Por Francisco Alves dos Santos Júnior
b) concedo medida liminar ao Município ora Autor e determino que a UNIÃO tome imediatas providências para que seja fornecida ao mencionado Município Certidão Negativa, se outro motivo não houver, e que se abstenha de eventual cobrança administrativa ou judicial contra o Município de débitos decorrentes de obrigações tributárias principais (tributos) ou acessórias (multas)da respectiva Câmara Municipal e que também se abstenha de negativar o nome do Município-autor em Órgãos ou Entes de proteção ao crédito, tais como CADIN, SERASA, etc., tudo sob pena de fixação de multa a ser paga a favor do referido Município;
O Município não pode ser responsabilizado por obrigações tributárias da respectiva Câmara Municipal, porque esta tem autonomia político-administrativa e CNPJ próprio.
A decisão que segue, pesquisada e minutada pela Assessora Luciana Simões Correa de Albuquerque, trata desse assunto.
Boa leitura.
PROCESSO
Nº: 0803997-83.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: MUNICIPIO DE BOM CONSELHO
ADVOGADO: PAULO GABRIEL DOMINGUES DE REZENDE (e outros)
RÉ: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR
AUTOR: MUNICIPIO DE BOM CONSELHO
ADVOGADO: PAULO GABRIEL DOMINGUES DE REZENDE (e outros)
RÉ: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR
1. Breve Relatório
O MUNICÍPIO
DE BOM CONSELHO/PE ajuizou a presente Ação Ordinária com pedido de antecipação
de tutela em face da União Federal (Fazenda Nacional). Aduziu, em síntese, que:
o Autor, ente político municipal, teria como órgão, em suma, a Prefeitura
(poder Executivo) e a Câmara Municipal (Poder Legislativo); tais órgãos, por
força constitucional, gozariam de autonomia administrativa e, em razão dessa
autonomia, o órgão Câmara Municipal seria responsável pelo adimplemento de suas
obrigações tributárias, sejam elas principais ou acessórias; a Secretaria da
Receita Federal do Brasil estaria lançando débitos decorrentes do
descumprimento do mister que lhe caberia sob o CNPJ desta; o mesmo estaria
ocorrendo com o órgão do Poder Executivo (Prefeitura); assim, ainda através do
Ente (Município), as obrigações deveriam, por força constitucional, ser
direcionadas aos respectivos órgãos (orçamentos) dos Poderes Executivo e
Legislativo, não podendo um Poder responder pelos atos e obrigações do outro; a
Ré, por intermédio de sua Secretaria da Receita Federal, estaria penalizando o
órgão do Poder Executivo e legislativo, não podendo um poder responder pelos
atos do outro; seria necessário destacar que o que se buscaria na presente ação
seria a dissociação das responsabilidades do órgão do executivo daqueles do
poder legislativo. Teceu outros comentários. Transcreveu julgados. Pugnou, ao
final, pela concessão de tutela antecipada, no sentido de que fosse declarada a
irresponsabilidade do Executivo Municipal (Prefeitura), por débitos do
Legislativo Municipal (Câmara), afastando restrições à emissão de Certidão
Negativa (art. 205 do CTN) ou certidão positiva com efeitos negativos (art. 206
do CTN) para o Município-Autor, por óbices decorrentes das obrigações fiscais
da Câmara Municipal. Requereu, ainda, liminarmente, fosse determinado que a Ré
se abstivesse na eventual cobrança administrativa ou judicial de débitos
decorrentes de obrigações tributárias principais (tributos) ou acessórias
(multas) por parte da Câmara, de direcionar tal cobrança sobre valores
constitucionalmente devidos ao órgão do Poder Executivo, direcionando-o, tão
somente, ao orçamento daquele órgão do Poder Legislativo. Requereu, ainda,
fosse determinado que a Ré praticasse todos os atos necessários à efetivação da
ordem judicial, sendo expressamente vedada a adoção de qualquer medida
retaliativa, tais como inscrever o Autor no CADIN relativamente aos débitos
objeto da Câmara Municipal.
Inicial
instruída com procuração e documentos.
É o
relatório, no essencial. Passo a
decidir.
2.
Fundamentação
Na espécie,
o interesse do Autor reside, dentre outros aspectos, em obter a certeza
jurídica de que não lhe será negado certidão negativa em razão de eventual
existência de débitos tributários ou irregularidades fiscais da respectiva
Câmara de Vereadores.
Cabe
verificar a responsabilidade pelas obrigações tributárias, apurando se a
responsabilidade deve recair sobre a Câmara Municipal ou sobre o Município.
Ressalte-se
que a Constituição Federal consagra a autonomia e a independência
administrativo-financeira entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Sabe-se,
ainda, que o Poder Legislativo Municipal, órgão do Município, por gozar de
autonomia financeira, assegurada no artigo 29-A da Constituição Federal, possui
receita própria, sujeita ao rígido controle orçamentário, cujo limite, caso
ultrapassado, caracteriza, por expressa disposição constitucional, e na
conformidade da Lei de Responsabilidade Fiscal-LC nº 101, de 2000, a prática de
crime de responsabilidade.
Tenho que a
responsabilidade fiscal é, no caso, única e exclusiva do Dirigente do
mencionado Poder Legislativo Municipal, diante da autonomia administrativa e
financeira conferida à Câmara Municipal, que possui, inclusive, CNPJ distinto
do Município.
É
relevante a menção à autonomia, tendo em vista que o Poder Executivo não
poderia compelir o Legislativo a recolher o valor devido, não podendo sofrer
prejuízos em razão de conduta a que não deu causa. Sendo assim, cabe à União
adotar os procedimentos de cobrança em face da Câmara Municipal.
O Município
até pode, sob ordem judicial de eventual ação proposta contra a Câmara
Municipal, reter verbas desta e repassá-las diretamente para eventuais credores
desta, mas não pode tomar essa providência por conta própria, ou seja, sem
ordem judicial.
Acerca do tema, confiram-se os julgados abaixo transcritos:
Acerca do tema, confiram-se os julgados abaixo transcritos:
CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL.
DÍVIDA PREVIDENCIÁRIA DA CÂMARA DOS VEREADORES. IMPUTAÇÃO AO MUNICÍPIO.
IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES. AUTONOMIA
FINANCEIRA E ADMINISTRATIVA. EMISSÃO DE CERTIDÃO DE NEGATIVA DE DÉBITO.
POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS. VALOR IRRISÓRIO. MAJORAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ E
DESTA CORTE.
1. A sentença julgou procedente pedido para
fornecimento de CND ou CPD-EN, quando eventual negativa se fundar unicamente na
existência de débitos tributários ou irregularidades fiscais da Câmara de
Vereadores do Município autor.
2. A Carta Magna prevê a independência e harmonia
entre os Poderes, garantindo-lhes autonomia financeira e administrativa.
3. "A Constituição Federal/1988 consagrou a
independência e a autonomia administrativo-financeira entre os Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário. Não se pode, assim, responsabilizar a
Prefeitura (Executivo Municipal) por obrigações de responsabilidade da Câmara
da Comuna (Legislativo Municipal)" (APELREEX 5299/PE, 3ª Turma, Rel. Des.
Federal Geraldo Apoliano).
4. Não deve o Município ser penalizado com a não
emissão de certidão positiva de débito com efeito negativo em seu favor, por
descumprimento de obrigação acessória da Câmara, pois tal órgão goza de
autonomia financeira e tem receita própria, estando, inclusive sujeita ao
controle da Lei de Responsabilidade Fiscal.
5. Precedentes desta Corte na mesma esteira: AGTR
115160/PE, Rel. Des. Federal Manoel Erhardt; AC 485419, Rel. Des. Federal
Geraldo Apoliano; AC 477790, Rel. Des. Federal Leonardo Resende Martins; AG
108698, Rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima.
6. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de
ser possível a majoração dos honorários advocatícios quando o valor arbitrado é
irrisório. In casu, a r. sentença fixou em R$300,00 o valor da verba,
(equivalente a 0,6% do valor da causa, que foi de R$50.000,00), quantia essa
que é irrisória. Majoração dos honorários para R$3.500,00 (7% do valor da
causa).
8. Apelação da Fazenda Nacional e remessa oficial
não providas. Apelação do Município provida.
(PROCESSO: 00008703820134058302, APELREEX29683/PE,
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL SÉRGIO MURILO WANDERLEY QUEIROGA (CONVOCADO),
Terceira Turma, JULGAMENTO: 09/01/2014, PUBLICAÇÃO: DJE 10/01/2014 - Página
103)
TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO. EMISSÃO DE CERTIDÃO DE
REGULARIDADE FISCAL. NEGATIVA POR PARTE DA FAZENDA NACIONAL EM RAZÃO DA
EXISTÊNCIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO DA CÂMARA DOS VEREADORES. IMPOSSIBILIDADE.
AUTONOMIA. FINANCEIRA E ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE DE PENALIZAÇÃO DO
MUNICÍPIO POR DÉBITOS TRIBUTÁRIOS DA CÂMARA MUNICIPAL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
INOCORRÊNCIA. CABIMENTO DE CONDENAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL AO PAGAMENTO DE
HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. (...) 2. A jurisprudência pátria é
pacífica quanto ao entendimento no sentido de que, diante autonomia
administrativo-financeira existente entre as funções do Poder do Estado, não é
possível penalizar o Município pelo descumprimento de obrigações tributárias
principais ou acessórias por parte da Câmara de Vereadores. (Precedentes) 3. A
dívida tributária de titularidade da Câmara de Vereadores do Município Apelante
não constitui óbice ao fornecimento de Certidões Negativas ou de Certidões
Positivas com Efeito de Negativa àquela pessoa política. (Precedentes)
(...)10. Apelação do MUNICÍPIO DE TUPANATINGA provida. 11. Apelação da UNIÃO
improvida. (AC 00000448520134058310, Desembargador Federal Paulo Roberto de
Oliveira Lima, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::18/07/2013 - Página::242.)
Portanto, a
responsabilidade pelo não pagamento das obrigações tributárias ou não
tributárias principais e pelo descumprimento de obrigações
acessórias(tributárias ou não)por parte do Legislativo Municipal deve recair
tão somente sobre o órgão diretor da Câmara Municipal.
Diante de
tal contexto, sem maiores delongas, a concessão da medida liminar é medida que
se impõe.
3. Conclusão
Posto isso:
a) com
urgência, dê-se ciência do Ministério Público Estadual e ao Tribunal de
Constas do Estado para que, se for o caso, tomem imediatas providências
contra os Órgãos de Direção da Câmara do Município ora Impetrante, no campo da
Lei de Responsabilidade Fiscal, de Improbidade Administrativa e Criminal; e também,
para os mesmos fins, ao Ministério Público Federal; Posto isso:
b) concedo medida liminar ao Município ora Autor e determino que a UNIÃO tome imediatas providências para que seja fornecida ao mencionado Município Certidão Negativa, se outro motivo não houver, e que se abstenha de eventual cobrança administrativa ou judicial contra o Município de débitos decorrentes de obrigações tributárias principais (tributos) ou acessórias (multas)da respectiva Câmara Municipal e que também se abstenha de negativar o nome do Município-autor em Órgãos ou Entes de proteção ao crédito, tais como CADIN, SERASA, etc., tudo sob pena de fixação de multa a ser paga a favor do referido Município;
Finalmente, determino seja a UNIÃO, na forma
e para os fins legais e, com urgência, intimada da decisão supra, para o seu
efetivo cumprimento;
P.I.
Recife, 20
de junho de 2015.
Francisco
Alves dos Santos Júnior
Juiz
Federal, 2a Vara-PE