Por Francisco Alves dos Santos Jr
Nesta sentença se discute o alargamento da tributação por mero ato do Poder Executivo frente aos princípios tributários da legalidade, da determinação e da segurança jurídica no direito tributário do Brasil.
Boa leitura.
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª
VARA
Juiz
Federal: FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JÚNIOR
Processo nº 0002603-45.2013.4.05.8300 Classe 126 –Mandado de Segurança
IMPETRANTE: HONDA AUTOMOVEIS DO BRASIL LTDA.
Adv.: Andréa Feitosa Ferreira – OAB/PE 15002
IMPETRADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL
EM RECIFE
Registro
nº ...........................................
Certifico
que registrei esta Sentença às
fls..........
Recife,
...../...../2013
Sentença tipo B
Ementa:- DIREITO
CONSTITUCIONAL-TRIBUTÁRIO. FORMAÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. PRINCÍPIOS DA
LEGALIDADE, DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA DETERMINAÇÃO. CLÁUSULA PÉTREA.
Elementos do núcleo da obrigação tributária
não podem ser modificados por ato legislativo infra-legal, exceto quando houver
expressa autorização na Constituição da República, por força dos princípios da
legalidade, da determinação e da segurança jurídica.
Concessão da Segurança.
Vistos etc.
HONDA
AUTOMÓVEIS DO BRASIL LTDA., qualificada na Petição Inicial, impetrou o presente
mandado de segurança com pedido de liminar inaudita
altera pars contra ato denominado ilegal que teria sido praticado pelo Ilmº
Sr. DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE. Alegou, em
síntese, que seria pessoa jurídica de direito privado constituída no ano de
2006 e, em razão de suas atividades sociais, teria contratado empregados, em
2013, que passaram a fazer parte de sua folha de salários, estando obrigada a
recolher as respectivas contribuições previdenciárias, inclusive o RAT (também
denominada como SAT – Seguro de Acidente de Trabalho); que, de acordo com o
art. 22 da Lei nº 8.212/91, a contribuição para o RAT seria definida pelo grau
de risco da atividade, com as alíquotas variando entre 1%, 2% ou 3%, de acordo
com o segmento econômico da empresa; que, visando dar maior efetividade ao RAT,
teria sido editada a Lei nº 10.666/2006, criando o FAP – Fator Acidentário
Previdenciário, para incentivar as condições de trabalho e a saúde do
trabalhador; que, de acordo com o FAP, as alíquotas do RAT poderiam ser
reduzidas para 50% ou majoradas para 100%; que, para a definição dos critérios
de apuração do FAP, teria sido editado o Decreto nº 6.042/2007, alterado pelo
Decreto nº 6.957/2007, o qual teria incluído o art. 202-A ao Decreto nº
3.048/99 e criado a figura do “FAP” (fl. 04); que o cálculo do FAP seria
elaborado de acordo com a discriminação do desempenho da empresa, dentro da
respectiva atividade econômica, a partir da criação de uma referência composta
pelos índices de gravidade, frequência e custo dos benefícios acidentários
ocorridos na empresa; que os parâmetros e os critérios para o cálculo de tais
índices teriam sido estipulados pelas Resoluções CNPS nºs 1.308/2009 e
1.309/2009 do Conselho da Previdência Nacional; que o Ministério da Previdência
Social teria ficado incumbido de publicar anualmente os róis de percentis de
frequência, gravidade e custo por Subclasse da Classificação Nacional das
Atividades Econômicas – CNAE, e divulgar, na internet, o FAP de cada empresa,
onde se poderia verificar o desempenho dentro de sua CNAE - Subclasse; que
teria sido divulgado no site do INSS, para a exigência a partir de janeiro de
2010, o índice FAP a ser aplicado à alíquota do RAT, cujo FAP da matriz da
Impetrante teria sido calculado com o percentil de 1,2288; que a matriz da
Impetrante teria apresentado Recurso Administrativo questionando o percentil
aplicado e demonstrando as razões pelas quais o critério adotado pelo
Ministério da Previdência estaria equivocado; que até o momento o quadro não
teria sido alterado; que o FAP, ao ser instituído, teria prejudicado a
Impetrante; que caso a Impetrante estivesse sujeita à legislação anterior, que
somente aplicaria o SAT, sua folha de salários seria menos onerada; que o cálculo
do novo SAT/RAT seria ajustado de acordo com
atividade do estabelecimento pela seguinte fórmula: antigo SAT/RAT
(fixado de acordo com o CNAE) X FAP, logo, o FAP como fator multiplicador
fornecido pelo INSS, poderia ampliar ou diminuir a alíquota da SAT/RAT; que,
com a regulamentação aprovada pelo MPAS, por meio de Decretos e Resoluções, a
Administração teria prescrito normas que possibilitariam a redução ou o aumento
da alíquota, elemento que seria reservado à lei, na forma do art. 150-I da
Constituição da República/88, e art. 97-IV do Código Tributário Nacional.
Aduziu que, que, como se levaria em consideração o grau de risco da atividade
desenvolvida em cada estabelecimento, o SAT, agora adicionado pelo FAP, somente
poderia ser calculado de acordo com cada estabelecimento e não pela matriz.
Transcreveu ementas de decisões judiciais e aduziu que cada filial
desenvolveria atividades distintas, possuindo CNPJ e risco de acidente de
trabalho diferenciado, pelo que restaria evidente a aplicação do entendimento
do STJ no sentido de que seria ilegal a aplicação do FAP com base nas
informações da matriz; que seria imprescindível a disponibilização de
informações pela Previdência Social para que se possa apurar o FAP; que a
legislação ordinária teria cometido equívocos ao estabelecer os critérios para
apuração do CAT, em razão de acidente de trabalho, do valor da remuneração, do
número médio de vínculo utilizado e o conceito de acidente de trabalho, que
consistiriam formas indiretas para a majoração do cálculo do FAP; que seria
direito da parte Impetrante realizar o depósito judicial dos valores
controversos, independentemente de autorização judicial, tal como disporia o
Provimento nº 58 “do Conselho da Justiça Federal do TRF – 3ª Região/SP”,
corroborado pelo inciso II do art. 151 do CTN, que implicaria suspensão da
exigibilidade do respectivo crédito; que os valores devidos a título de RAT/SAT
continuariam a ser recolhidos normalmente, e apenas a diferença decorrente da
majoração trazida pela incidência dos índices do FAP é que seria objeto de
depósito. Teceu outros comentários, e requereu a concessão da medida liminar
para autorizar a realização dos depósitos mensais com a finalidade de suspender
a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151-II do CTN,
impedindo-se a prática pelo Impetrado de qualquer ato tendente à sua cobrança
direta ou indireta, especialmente o ajuizamento de Execução Fiscal, inscrição
no CADIN, SERASA etc.; que, no caso de ser concedida a liminar e efetuado o
depósito judicial, requereu a expedição de ofício para que a parte impetrada
seja notificada para suspender a exigibilidade dos débitos ora discutidos, e
para se abster de promover qualquer medida administrativa ou judicial que tenha
por objetivo impedir o exercício dos direitos reconhecidos nesta decisão e,
ainda, qualquer outra medida de cunho sancionador ou impediente das normais
atividades sociais da Impetrante, tais como: manutenção nos cadastros ou bancos
de dados da Receita Federal ou órgão equivalente dos supostos débitos
relacionados aos valores questionados na presente ação; remessa para registro
em qualquer cadastro de devedor, quer seja público, quer privado; negativa de
emissão de certidões por força da indicação, em tais cadastros ou banco de
dados, de qualquer débito relacionado aos processos administrativos em
discussão neste MS; a concessão definitiva da segurança, julgando procedente o
pedido, mantendo a liminar eventualmente concedida, para afastar a aplicação da
FAP sobre as alíquotas da RAT devidas pela Impetrante, ficando a Impetrada
impedida de lavrar futuros autos de infração, ou ingressar com a respectiva
execução fiscal, em razão da declaração de não aplicação do art. 202-A do
Decreto nº 3.048/99, com a redação dada pelo Decreto nº 6.957/2009, c/c a Resolução
CNPS nº 1.308/2009, devendo ser aplicado o art. 22 da Lei nº 8.212/91. Atribuiu
valor à causa. Juntou instrumento de procuração e documentos (fls. 31-176).
Comprovou o pagamento das custas processuais (fl. 89).
Proferida
decisão interlocutória facultando à Impetrante a realização do depósito
referido na petição inicial, observando a exigência legal da integralidade,
para gerar o efeito suspensivo e, caso efetuado, que a Impetrante juntasse aos
autos os respectivos comprovantes, fls. 178-179.
A Impetrante
peticionou (fl. 181), requerendo a juntada de guia de depósitos judiciais e
extrajudiciais (fl. 182), e requerendo que fosse atribuído o efeito suspensivo
solicitado.
Diante da
juntada da guia de depósito, determinada a ciência dos depósitos à Impetrada e
ao órgão de representação judicial, fl. 183.
Juntado
aos autos o Ofício nº 435/2013 subscrito pelo Delegado da Receita Federal do
Brasil, em Recife, encaminhando suas Informações às fls. 186-196. Fez uma breve
digressão acerca do fundamento constitucional e legal da contribuição SAT e
aduziu que o C. STF, em regra, teria se posicionado no sentido de reconhecer a
validade das normas que regulamentam a SAT; que a aplicação de alíquotas
diferenciadas para as contribuições previdenciárias das empresas estaria
amparada no princípio constitucional da equidade na forma de participação no
custeio(CR/88, art. 194, parágrafo único) e no §9º do art. 195 da CR/88; que o
princípio constitucional da equidade na
forma de participação no custeio exigiria que o recolhimento fosse proporcional
aos infortúnios ocorridos na empresa; que a metodologia adotada pelo FAP (Fator
Acidentário de Prevenção) enquadrar-se-ia perfeitamente em mencionado princípio
constitucional, porque a alíquota do SAT seria reduzida para aqueles empregadores
que tivessem apresentado menores índices de acidentabilidade e majorada para
aquelas empresas que apresentassem índices de acidentabilidade superiores à
média de seu setor econômico; que a aplicação do FAP às alíquotas do SAT teria
como fundamento legal o art. 10 da Lei nº 10.666/2003; que o fato de a lei
deixar para o regulamento e para o Conselho Nacional de Previdência Social
(CNPS) a complementação da metodologia de cálculo dos índices de freqüência,
gravidade e custo, não implicaria ofensa ao princípio da legalidade genérica e
ao da legalidade tributária; que, com base na delegação legislativa prevista no
art. 10 da Lei nº 10.666/03, os Decretos nºs 6042/07 e 6.957/09, teriam
regulamentado o FAP, dando nova redação ao art. 202-A do Decreto nº 3.048/99;
que a flexibilização das alíquotas do SAT teria sido materializada mediante a
aplicação da metodologia do FAP, aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência
Social – CNPS, consoante as Resoluções CNPS nºs 1308 e 1309, ambas de 2009; que a metodologia aprovada buscaria bonificar
aqueles empregadores que tivessem feito um trabalho intenso nas melhorias
ambientais em seus postos de trabalho e apresentado no último período menores
índices de acidentes e, ao mesmo tempo, aumentar a cobrança daquelas empresas
que tivessem apresentado índices de acidentes superiores à média de seu setor
econômico; que, portanto, o FAP não seria ofensivo ao princípio da igualdade,
porque teria tratado igualmente os desiguais; que a Impetrante estaria alegando
que a aplicação do FAP representaria uma majoração da contribuição relativa ao
Seguro Acidente, contudo, isso somente aconteceria se a empresa apresentasse
índices de acidentabilidade superiores à média do seu setor econômico, mas, se
a Impetrante adotasse medidas de prevenção dos acidentes e doenças do trabalho,
a aplicação do FAP poderia reduzir a alíquota do SAT em até 50% (cinqüenta por
cento). Teceu outros comentários e
requereu a denegação da segurança.
O
MPF apresentou r. Parecer (fls. 203-204-vº), deixando de opinar sobre o mérito,
pugnando pelo normal prosseguimento do feito.
Certificada a remessa dos autos ao órgão de representação da
autoridade impetrada, fl. 205.
A União (Fazenda Nacional) manifestou-se às fls. 208-245,
demonstrando o seu interesse em ingressar no feito, e requerendo sua intimação
e vista dos autos de todos os atos a ele referentes. No mérito, sustentou que
não assistiria razão à Impetrante, e pugnou pela denegação da segurança.
Vieram os autos conclusos para sentença.
É o relatório. Passo a decidir.
Fundamentação
1. Sobre a prescrição
Examinemos
o problema da prescrição, porque, embora não tenha sido levantada na Petição
Inicial, tampouco nas informações da Autoridade apontada coatora, nem na
manifestação do respectivo órgão de representação judicial, este magistrado
teria que apreciá-lo, antecipadamente, em face do § 5º do art. 219 do Código de
Processo Civil, até mesmo de ofício.
Nesta
ação, pretende-se “AFASTAR A APLICAÇÃO DA FAP SOBRE AS ALÍQUOTAS DA RAT DEVIDAS
PELA IMPETRANTE”, ficando, a autoridade impetrada, impedida de lavrar futuros
Autos de Infração, ou ingressar com a respectiva Execução Fiscal, em razão da
declaração da não aplicação do art. 202-A do Decreto nº 3.048/99, com a redação
dada pelo Decreto nº 6.957/2009, c/c a Resolução CNPS nº 1.308/2009, mas com
aplicação do art. 22 da Lei nº 8.212/91. (fl. 26).
A
Impetrante, na petição inicial, esclarece que embora tenha sido constituída no
ano de 2006, apenas em março de 2013 contratara empregados, os quais passaram a
fazer parte de sua folha de salários.
Nesse
contexto, não há que se falar em prescrição, haja vista que, desde a
contratação dos empregados, em março de 2013, ainda não transcorreu o lustro
prescricional.
Do Ponto Fulcral da Questão
O Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE
343.446-2/SC, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ de 04.04.2003, analisou a
constitucionalidade de dispositivos então vigentes da Lei nº 7.787, de 1999, e
da Lei nº 8.212, de 1991, e concluiu que não eram inconstitucionais, porque
definiam, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a
obrigação tributária válida, deixando para o regulamento apenas delimitar o que
seria “atividade preponderante” e “grau de risco leve, médio e grave”.
Mencionada C. Corte decidiu no mesmo sentido, conforme as
Informações da Autoridade apontada como coatora, no julgamento do AI-AgR
439713/MG, rel. Min. Celso de Melo, 2ª Turma, DJ de 14.11.2003.
Nessa mesma esteira seguiu o E. Superior Tribunal de Justiça, em diversos
julgados, dos quais destaco o que segue:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO.
AGRAVO REGIMENTAL. SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO - SAT. LEI Nº 8.212/91, ART. 22, II. DECRETO N.º 2.173/97. ALÍQUOTAS.
FIXAÇÃO PELOS GRAUS DE RISCO DA ATIVIDADE PREPONDERANTE DESEMPENHADA EM CADA ESTABELECIMENTO DA
EMPRESA, DESDE QUE INDIVIDUALIZADO POR CNPJ PRÓPRIO. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA
PELA PRIMEIRA SEÇÃO. SÚMULA 7/STJ. 1.
A Primeira Seção assentou que: A Lei nº 8.212/91, no
art. 22, inciso II, com sua atual redação constante na Lei nº 9.732/98,
autorizou a cobrança do contribuição do SAT,
estabelecendo os elementos formadores da hipótese de incidência do tributo,
quais sejam: (a) fato gerador — remuneração paga, no decorrer do mês, aos
segurados empregados e trabalhadores avulsos; (b) a base de cálculo — o total
dessas remunerações; (c) alíquota
— percentuais progressivos (1%, 2% e 3%) em função do risco de acidentes do
trabalho. Previstos por lei tais critérios, a definição, pelo Decreto n. 2.173/97 e Instrução
Normativa n. 02/97, do grau de periculosidade das atividades desenvolvidas
pelas empresas não extrapolou os limites insertos na referida legislação,
porquanto tenha tão somente detalhado o seu conteúdo, sem, contudo, alterar
qualquer daqueles elementos essenciais da hipótese de incidência. Não há,
portanto, ofensa ao princípio da legalidade, posto no art. 97 do CTN, pela
legislação que institui o SAT -
Seguro de Acidente do Trabalho. (EREsp 297215 / PR, Rel. Min. Teori Albino
Zavascki, DJ 12.9.2005). 2. A
Primeira Seção reconsolidou a jurisprudência da Corte, no sentido de que a alíquota da contribuição para o Seguro
de Acidente do Trabalho - SAT,
de que trata o art. 22, II, da Lei n.º 8.212/91, deve corresponder ao grau de
risco da atividade desenvolvida em cada estabelecimento da empresa,
individualizado por seu CNPJ. Possuindo esta um único CNPJ, a alíquota da referida exação deve
corresponder à atividade preponderante por ela desempenhada (Precedentes: ERESP
nº 502.671/PE, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 10.8.2005; EREsp
n.º 604.660/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 1.7.2005 e EREsp n.º
478.100/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 28.2.2005). Incidência da Súmula
351/STJ. 3. A
alíquota da contribuição para o
seguro de acidentes do trabalho deve ser estabelecida em função da atividade
preponderante da empresa, possuidora de um único CNPJ, considerada esta a que
ocupa, em cada estabelecimento, o maior número de segurados empregados e
trabalhadores avulsos, nos termos do Regulamento vigente à época da autuação (§
1º, artigo 26, do Decreto nº
612/92). 4. Vale ressaltar que o reenquadramento do pessoal administrativo em
grau de risco adequado e a estipulação da alíquota devida, assentados pela instância ordinária com
fundamento na prova produzida nos autos, decorre de enquadramento tarifário,
restando, assim, inviável o exame da matéria pelo E. STJ, a teor do disposto na
Súmula 7, desta Corte, que assim determina:"A pretensão de simples reexame
de prova não enseja recurso especial". 5. Agravo regimental não-provido.[1]
Mas, agora, o Legislador Ordinário foi mais
longe ainda e autorizou o Poder Executivo a majorar a alíquota do tributo em
até 100%, sem base em qualquer regra constitucional.
Da Questão no Sistema
Tributário Brasileiro
Tenho que, data maxima venia
do C. Supremo Tribunal Federal e do E. Superior Tribunal de Justiça, até mesmo
para definir o alcance do que é “atividade preponderante” e “grau de risco
leve, médio e grave”, não se poderia deixar a critério do Poder Executivo, por
ser o dirigente máximo da União, e esta é o sujeito ativo da obrigação
tributária, pelo que lhe falta isenção necessária para tomar qualquer decisão
sobre elementos essenciais da base de cálculo dessa contribuição, sobretudo
nestes tempos de ânsia do Estado Brasileiro por receitas.
Note-se que na quaestio ora
sob análise, o Poder Executivo sentiu-se à vontade com o entendimento acima
indicado do C. Supremo Tribunal Federal e do E. Superior Tribunal de Justiça, e
então avançou, atropelando regras constitucionais do sistema tributário
nacional, auto-autorizando-se, via
Medida Provisória nº 82, de 2002, a majorar a alíquota do tributo sob análise em até
100%, quando se sabe que o Legislador Constituinte deu essa autorização,
observados limites e condições fixados em Lei, apenas para os tributos
arrolados no § 1º do art. 153 da Constituição da República. E, tendo maioria no
Congresso Nacional, a Chefia do Poder Executivo Nacional extraiu deste a
homologação da sua auto-autorização, mediante transformação da referida Medida Provisória
na indigitada Lei nº 10.666, de 08.05.2003.
A respeito de qualquer delegação ao Poder Executivo no campo
tributário, já tive oportunidade de escrever: “...a lei formal deve delinear com certo rigor
esse “poder normativo do Executivo”, não lhe dando abertura para instituição de
tributo, porque, como vimos acima, o princípio da legalidade figura como
garantidor mínimo de liberdades dos contribuintes, de forma que, para sua
segurança jurídica, as eventuais indeterminações da lei devem ser esclarecidas
pela doutrina e pelo Poder Judiciário, nunca pelo Poder Executivo, por lhe
faltar a indispensável imparcialidade”.[2]
Breve
Histórico Legal
Eis
um breve histórico legal do problema:
Atualmente,
a Lei nº 8.212, de 24.07.1991, estabelece
no inciso II do seu art. 22:
Art. 22. A contribuição a cargo da
empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: 6
II - para o financiamento do
benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213,
de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de
incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o
total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados
empregados e trabalhadores avulsos: (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 1998).
a) 1% (um por cento) para as
empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja
considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as
empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
c) 3% (três por cento) para as
empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.
O §
3º desse dispositivo legal dá poderes ao Ministério do Trabalho para apuração
do enquadramento de cada contribuinte:
§ 3º O Ministério do Trabalho e
da Previdência Social poderá alterar, com base nas estatísticas de acidentes do
trabalho, apuradas em inspeção, o enquadramento de empresas para efeito da
contribuição a que se refere o inciso II deste artigo, a fim de estimular
investimentos em prevenção de acidentes.
E,
como já dissemos, a Lei nº 10.666, de 2003, no seu art. 10, foi mais longe
ainda:
Art. 10. A alíquota de
contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do
benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de
incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do
trabalho, poderá ser reduzida, em até cinqüenta por cento, ou aumentada, em até
cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da
empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade
com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e
custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de
Previdência Social.
Mencionada
alteração legal gerou modificações do respectivo regulamento, ou seja, no art.
202-A e respectivos parágrafos do Regulamento da Previdência Social, aprovado
pelo Decreto nº 3.048, de 06.05.1999, que ficaram com a seguinte redação:
Art. 202-A. As alíquotas constantes nos incisos I a III do art. 202
serão reduzidas em até cinqüenta por cento ou aumentadas em até cem por cento,
em razão do desempenho da empresa em relação à sua respectiva atividade,
aferido pelo Fator Acidentário de Prevenção - FAP. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007).
§ 1o O FAP consiste num
multiplicador variável num intervalo contínuo de cinco décimos (0,5000) a dois
inteiros (2,0000), aplicado com quatro casas decimais, considerado o critério
de arredondamento na quarta casa decimal, a ser aplicado à respectiva
alíquota. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 2o Para fins da
redução ou majoração a que se refere o caput, proceder-se-á à
discriminação do desempenho da empresa, dentro da respectiva atividade
econômica, a partir da criação de um índice composto pelos índices de
gravidade, de frequência e de custo que pondera os respectivos percentis com
pesos de cinquenta por cento, de trinta cinco por cento e de quinze por cento,
respectivamente. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 4o Os índices de
freqüência, gravidade e custo serão calculados segundo metodologia aprovada
pelo Conselho Nacional de Previdência Social, levando-se em conta: (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007).
I - para o índice de freqüência, os registros
de acidentes e doenças do trabalho informados ao INSS por meio de Comunicação
de Acidente do Trabalho - CAT e de benefícios acidentários estabelecidos
por nexos técnicos pela perícia médica do INSS, ainda que sem CAT a eles
vinculados; (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
II - para o índice de gravidade, todos os casos
de auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez e pensão por
morte, todos de natureza acidentária, aos quais são atribuídos pesos diferentes
em razão da gravidade da ocorrência, como segue: (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
a) pensão por morte: peso de cinquenta por cento; (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
b) aposentadoria por invalidez: peso de trinta por
cento; e (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
c) auxílio-doença e auxílio-acidente: peso de dez
por cento para cada um; e (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
III - para o índice de custo, os valores dos
benefícios de natureza acidentária pagos ou devidos pela Previdência Social,
apurados da seguinte forma: (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
a) nos casos de auxílio-doença, com base no tempo de
afastamento do trabalhador, em meses e fração de mês; e (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
b) nos casos de morte ou de invalidez, parcial ou
total, mediante projeção da expectativa de sobrevida do segurado, na data de
início do benefício, a partir da tábua de mortalidade construída pela Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE para toda a
população brasileira, considerando-se a média nacional única para ambos os
sexos. (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 5o O Ministério da
Previdência Social publicará anualmente, sempre no mesmo mês, no Diário Oficial
da União, os róis dos percentis de frequência, gravidade e custo por Subclasse
da Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE e divulgará
na rede mundial de computadores o FAP de cada empresa, com as respectivas
ordens de freqüência, gravidade, custo e demais elementos que possibilitem a
esta verificar o respectivo desempenho dentro da sua CNAE-Subclasse. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 7o Para o cálculo
anual do FAP, serão utilizados os dados de janeiro a dezembro de cada ano, até
completar o período de dois anos, a partir do qual os dados do ano inicial
serão substituídos pelos novos dados anuais incorporados. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009).
§ 8o Para a empresa
constituída após janeiro de 2007, o FAP será calculado a partir de 1o
de janeiro do ano ano seguinte ao que completar dois anos de
constituição. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 9o Excepcionalmente,
no primeiro processamento do FAP serão utilizados os dados de abril de 2007 a dezembro de
2008. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 10. A metodologia aprovada pelo
Conselho Nacional de Previdência Social indicará a sistemática de cálculo e a
forma de aplicação de índices e critérios acessórios à composição do índice
composto do FAP. (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009).
E a máquina burocrática continuou com a implementação do
referido dispositivo legal: o Conselho Nacional de Previdência Social, com base
nas novas regras do Regulamento, baixou a Resolução CNPS nº 1.308, de
27.05.2009, cujo anexo foi alterado pela Resolução nº 1.309, de 24.06.2009.
Note-se que todas essas alterações no direito positivo
infra-constitucional vieram após os julgados acima referidos das duas maiores
Cortes do País.
Os Atos Infra-Constitucionais x
Princípios Positivados ou Não e a Cláusula Pétrea
Os princípios da determinação e da segurança jurídica
orientam no sentido de que todos os elementos da denominada obrigação tributária
principal observem o princípio da legalidade, ou seja, tenham o delineamento em
Lei e não em atos infralegais, porque nesse sentido é a expressa regra do
inciso I do art. 150 da Constituição da República, que, por sapiência do
Legislador Constituinte, encontra encartada em uma Seção dessa Carta
denominada “Das Limitações do Poder de Tributar”, título esse claramente
inspirado no título de uma obra de um dos nossos maiores tributaristas, o
saudoso ALIOMAR DE ANDRADE BALEEIRO, autor do livro “Limitações ao Poder de
Tributar”.
É verdade que, como o direito faz parte das denominadas
ciências humanas, haverá sempre um item de indeterminação na delimitação da
obrigação tributária e, como exemplo, temos alguns itens da Lei Complementar nº
116, de 2003, nos quais são utilizadas expressões tais como “similar”, “do
mesmo gênero”, etc. Mas, tratam-se de indeterminações aceitáveis, porque
passíveis de enquadramento pela doutrina e pela jurisprudência.
No entanto, é
altamente perigoso para os contribuintes que o Chefe do Poder Executivo Federal
se auto-autorize por Medida Provisória e, valendo-se de maioria momentânea no
Congresso Nacional, arranque deste a transformação da referida Medida
Provisória em Lei
Ordinária, pela qual se delega ao Poder Executivo(Presidência,
Ministérios, Órgãos e Entidades deste)a delimitação da parte mais importante da
obrigação tributária, o modo pelo que se forma partes do núcleo da obrigação
tributária, o valor tributável, e agora também a majoração da alíquota em até
100%(cem por cento).
Isso só pode ser admitido excepcionalmente e apenas
quando expressamente autorizado pelo Legislador Constituinte originário, como,
conforme já vimos, aconteceu com os tributos arrolados no § 1º do art. 153 da
vigente Constituição da República.
E a Constituição da República, neste particular, não pode
sequer ser alterada para majorar o rol desse seu dispositivo, porque se trata
de matéria que envolve as garantias e direitos individuais, portanto, abrangida
pela cláusula pétrea do inciso IV do § 4º do art. 60 dessa Carta e, como se
sabe, o C.Supremo Tribunal Federal assim já decidiu, quando considerou
inconstitucionais diversos dispositivos da Emenda Constitucional nº 3, de 1993,
quando se tentou afastar a aplicação dos princípios da legalidade e da anterioridade
do exercício no caso do extinto Imposto sobre Movimentação Financeira-IPMF. [3]
Conclusão
POSTO
ISSO, incidenter tantum, declaro a
inconstitucionalidade do art. 10 da Lei nº 10.666, de 2003, na parte em que
autoriza a majoração em até 100% da alíquota da contribuição ali referida por
regra regulamentar, e todos os atos infralegais dela decorrentes e acima
referidos, julgo procedentes os pedidos desta ação mandamental, concedo a
segurança, autorizando a Impetrante a continuar recolhendo referida contribuição
na alíquota e base de cálculo praticadas antes das alterações da legislação
decorrentes do referido art. 10 da Lei nº 10.666, de 2003, e determinando à
Autoridade apontada como coatora que se abstenha de autuar a Impetrante por
essa prática, sob as penas das Leis administrativas e criminais.
Sem
verba honorária(art. 25[4]
da Lei nº 12.016, de 2009, e Súmula 512 do C.Supremo Tribunal Federal)
De
ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição e determino que seja
dada ciência à Autoridade do inteiro teor desta Sentença, bem como sejam
efetuadas as demais intimações determinadas por Lei.
P.
R. I.
Recife,
05 de setembro de 2013.
FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JÚNIOR
Juiz Federal da 2ª Vara – PE
[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.
AGRESP 200500738366 AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL – 747508, Partes(N/C). Relator Ministro Mauro Campbell
Marques. Julgamento em 10.02.2009. Diário da Justiça Eletrônico de 11.03.2009.
Segunda Turma.
[2] Direito
Tributário do Brasil – Aspectos Estruturais. Recife-Olinda: Livro Rápido,
2010, p. 256-257, no prelo.
[3] BRASIL. C.Supremo Tribunal Federal.
Partes(N/C). ADI nº 939-7/DF. Julgamento em 15.12.1993, por maioria. Rel.
Ministro Sydney Sanches. Diário da Justiça da União de 18.03.1994. Plenário.
[4]“Art.
25. Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de
embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios,
sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.”